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Como Lidar com os Desejos e a Tristeza

Identificados com a insegurança que por momentos toma conta da mente, às vezes pensamos coisas como “será que vou realizar meus desejos? Será que vou conseguir conquistar o que preciso para me sentir seguro?” O problema é que este tipo de padrão mental de ansiedade torna-se uma verdadeira prisão, um feitiço que nos impede o crescimento e nos tolhe a liberdade.

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Desejos: precisamos realizá-los para ser felizes?

Identificados com a insegurança que por momentos toma conta da mente, às vezes pensamos coisas como “será que vou realizar meus desejos? Será que vou conseguir conquistar o que preciso para me sentir seguro?”

O problema é que este tipo de padrão mental de ansiedade torna-se uma verdadeira prisão, um feitiço que nos impede o crescimento e nos tolhe a liberdade.

Quando as coisas não acontecem de acordo com nossas expectativas, ficamos presos à tristeza. Quando obtemos as coisas que queremos, mas as perdemos posteriormente, ficamos igualmente presos à tristeza.

Quando não conseguimos o que desejamos, a tristeza se apresenta, como uma sombra ominosa e silente que nos tira o sossego.

Realmente, não precisamos fazer nada em relação aos desejos e à eventual tristeza que possa surgir quando não conseguimos satisfazê-los.

Compreender e aceitar que os desejos são naturais e fazem parte da ordem psicológica é o primeiro passo para se libertar da frustração que possa derivar deles.

O segundo passo é entender que a felicidade não se realiza satisfazendo os desejos, muito embora não haja nada de errado em desejar. O erro está em achar que a felicidade possa derivar da realização dos desejos.

Em relação à tristeza e as demais emoções, tampouco precisamos fazer nada, a não ser apreciar o fato de que elas vem e vão, como nuvens no céu.

Não há nada de errado em relação ao fato de, ocasionalmente, a gente acordar triste ou ter um momento de melancolia. Isso faz parte da ordem emocional, que é perfeita dentro do que ela é.

Aceitando desta forma os desejos e as emoções como eles são podemos, por exemplo, apreciar desde a tristeza uma música que sirva como veículo para ela. Assim, ao invés de negá-la, damos uma expressão construtiva para ela e a usamos positivamente, em nosso benefício.

A vida como ela é

Para ter uma apreciação objetiva dessa situação, precisamos compreender a dinâmica da vida. As coisas vêm e vão constantemente: essa é a lei da natureza.

É preciso reconhecer que nada daquilo que chamamos nosso é realmente nosso. Podemos dizer “este é meu cabelo”.

Não obstante, quando o cabelo decide que está na hora de cair, não há nada que possamos fazer para que ele permaneça preso à cabeça. Consequentemente, não podemos dizer que ele seja realmente nosso.

O mesmo é verdadeiro em relação à memória, ao vigor e à resistência física. Quando estas capacidades começam a desaparecer com a idade, não há nada que possamos fazer para conservá-las.

Nenhum desses elementos ou faculdades, objetivamente falando são nossos de fato.

Portanto, não podemos nos afirmar como donos de nada. Isto é o que poderíamos chamar de olhar desapegado e objetivo em relação ao corpomente, o que não significa ser descuidado, impiedoso ou irresponsável com ele.

Felizmente existe uma técnica para livrar-se do feitiço, da influência que as crenças limitantes têm sobre nós. A técnica consiste em apreciar objetiva e desapegadamente a justiça inerente e a perfeição presente nas leis da natureza.

O apego e a identificação com aquilo que considero meu, e a tristeza que se segue quando perco o meu são conseqüências da ignorância existencial.

Então, “perfeição na ação”, como ensina a Bhagavadgītā, significa desligar-se da tristeza e as demais formas que o sofrimento assume, através da compreensão daquilo que verdadeiramente sou. Esse é o verdadeiro sentido do Yoga: união com o que se é, e separação daquilo que não se é.

A natureza como ela é

Não é possível separar-se da sua própria natureza. Por exemplo, quando a água está quente, esse calor não é da natureza da água. Ele só acontece na água quando ela está associada com o fogo.

A água pode desassociar-se da natureza do calor, mas o fogo não. A natureza do fogo é o calor.

É impossível renunciar àquilo que é natural para si mesmo. Não posso me queixar daquilo que é natural em mim. A minha temperatura é de 36,5 graus.

Mas isso não me incomoda, pois é a natureza do meu corpo. Quando o corpo se aquece um pouco mais, me sinto impaciente e desconfortável e quero me livrar desse desconforto.

Se a tristeza fosse mesmo a minha real natureza, eu não poderia nem deveria desistir dela. No entanto, todos queremos ver a tristeza bem longe, mas ninguém quer se livrar da felicidade ou da alegria.

Porque isso acontece? Porque lá no fundo, você tem a certeza de que a tristeza não é natural e a convicção de que a felicidade lhe é natural sim.

Você age no mundo e recebe os frutos das suas ações. Às vezes, esses frutos são vistos como desejáveis, outras vezes como indesejáveis. As experiências vêm e vão, na vida de todos.

Isso apenas acontece, independentemente de sermos cientes ou não. Até mesmo os sábios vivem adversidades, mas eles sabem como enfrentá-las, pois têm a capacidade de olhar para as coisas objetivamente, engajados na apreciação da verdade.

Sem o entendimento adequado, os meios se tornam o fim, e o fim, que é a plenitude, se perde de vista.

Nessa situação, o mais provável que aconteça é que, dominado por um feitiço, por uma crença, eu acabe fazendo ações que irão posteriormente trazer resultados indesejáveis, para mim mesmo e para os demais. Agir dominado pelo desejo ou pelas emoções é arriscado.

Eu, como sou

É bom lembrarmos que já somos toda a felicidade que procuramos. As limitações do corpomente são restritas ao corpomente e pertencem unicamente a ele.

Não são nossas, no sentido de que o Eu não tem posses de nenhum tipo. O Eu apenas é. Fisicamente somos limitados: em termos de força, resistência, longevidade ou tamanho.

Intelectualmente, temos igualmente capacidades limitadas: não conseguimos memorizar os números de telefone de todos nossos amigos, não vencemos o nosso computador num simples jogo de xadrez, não falamos mais do que um punhado de línguas e, às vezes, nem sequer lembramos o que comemos ontem.

Agora, o Eu, está muito além das limitações físicas ou intelectuais que possam estar associadas a ele.

O fato de não saber falar polinésio ou não compreender os corolários da teoria da relatividade são limitações inerentes ao intelecto, não ao Eu.

Isso não nos torna limitados. O Eu que você é, está além dessas limitações. Quem é este Eu? Aquele que pode ser apreciado, não com os olhos do rosto, não com a mente, mas com a Consciência.

O ensinamento essencial dos Vedas, resumido na afirmação tat tvam’asi, “você é Isso”, ou o ser individual é idêntico ao Ser ilimitado, deve ser compreendido e aceito se quisermos uma vida tranquila, apesar as dificuldades inerentes a qualquer existência humana.

Essa identidade com a plenitude existe e é um fato, apesar da distinção que possamos fazer em termos do sujeito que eu sou e os objetos que aprecio.

A distinção sujeito-objeto não contradiz a não-dualidade, a visão da unidade que permeia todo o ensinamento do Yoga. Este é o conhecimento eterno, sempre significativo e atual, que nos traz inspiração para viver uma vida feliz e plena.

ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ ॐ

Advertência. A sugestão de práticas e atitudes que se faz neste texto e outros similares publicados neste website não tem como propósito diagnosticar, curar ou tratar quaisquer quadros ou sintomas de depressão ou similares.

Veementemente recomendamos que, em caso de depressão, seja do tipo que for, o amigo leitor procure aconselhamento e ajuda de um profissional da saúde. Concretamente, um especialista em psiquiatria.

Nao podemos nem devemos confundir estados transitórios de tristeza provocada por pressões sociais como o que são descritos neste texto com um quadro de depressão grave que possa obedecer a outros motivos. Obrigado.

॥ हरिः ॐ ॥

Neste lindo texto (em inglês), Swāmi Paramārthānanda aborda o tema do desejo de maneira magistral. Sugerimos outro texto que abordam e complementam este tema:

1. Como ser feliz?
2. Bom dia, tristeza
3. Antídoto contra a Ansiedade
4. Nirvāṇa Ṣaṭkam, o Sexteto do Nirvāṇa
5. Liberdade do Desejo, Desejo de Liberdade
6. O Poder da Tolerância
7. Privilégio e Responsabilidade

॥ हरिः ॐ ॥

desejos

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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11 respostas para “Como Lidar com os Desejos e a Tristeza”

  1. Prof. Pedro Kupfer, peço ao sr. que inclua em seu texto que as pessoas diagnosticadas como doentes de depressão grave precisam de tratamento médico, além da sabedoria da Yoga, para não terem suas vidas destroçadas pela tristeza.

    1. Está feito, José. Obrigado pela importante sugestão. Tudo de bom para você. Namaste.

  2. Nesse momento me deu uma vontade de tomar um whisky, fumar um charuto e apreciar desde a tristeza uma música que sirva como veículo para ela, como sempre fazia o mestre Vinicius de Moraes.
    Grande parte das suas composições foram criadas na tristeza de um amor, uma forma de tornar a tristeza produtiva.É preciso um bocado de tristeza, Senão, não se faz um samba não.

  3. Gratidão pela maravilhosa sabedoria!
    Amado irmão, observando suas reflexões estou ciente de que você exprime a sabedoria yogue, mas fiquei a pensar que a época atual nos traz possibilidades diferentes, onde de certo estamos aprendendo a transmutar elementos e a encontrar através da lei de atração não tão somente a prosperidade material, como também a psiquica e emocional, estamos descobrindo que o universo é abundante! Até onde devemos aceitar e onde devemos intervir? Desculpe se trago aqui um contraponto, mas é apenas para refletirmos juntos!
    Gratidão.
    Namastê.

  4. Simplesmente maravilhoso, muito grato, Pedro por partilhar tanto conhecimento!

  5. Pedro, mais uma vez muito boa sua reflexão… Esclarece muitas coisas que à mim às vezes parecem vagas quando leio livros sobre Yoga. Namastê!

  6. Olá Pedro,
    Texto de tantas coisas sabidas, experimentadas e vivenciadas mas, nunca demais para serem lembradas. Um texto restaurador.
    Namaste!
    Adriane.

  7. Obrigada Professor,
    hoje acordei e quando me sentei no tapete a reflexão foi quem sou EU?
    -Que ser está aqui hoje
    -Porque me sinto feliz mas sinto me triste?
    E após ter comido quando abro o meu pc, vejo o seu texto e fiquei bem comigo .
    Gosto imenso de ler as suas reflexões!
    NAMASTE

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