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Purushashukta, o sacrifício do homem primordial

Com milhares de cabeças, o Purusha, milhares de olhos, milhares de pés e, abrangendo a Terra por todos os lados, enche o espaço na largura de dez dedos. O Purusha é todo o que hoje é, o que foi e o que será, é senhor também da imortalidade da qual, devido ao alimento, ele está […]

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Com milhares de cabeças, o Purusha,
milhares de olhos, milhares de pés e,
abrangendo a Terra por todos os lados,
enche o espaço na largura de dez dedos.

O Purusha é todo o que hoje é,
o que foi e o que será,
é senhor também da imortalidade
da qual, devido ao alimento, ele está por cima (…).

Viráj nasceu dele
e de Viráj nasceu o Homem.
Tão pronto como nasceu foi maior que a Terra
por trás e por diante (…).

Sobre o florido tapete sacrifical espargiram
o Homem, nascido no princípio:
sacrificaram-lhe os deuses
e também os Sádhyás e os sábios poetas.

Deste sacrifício de oferenda total,
formou-se o leite coalhado e a manteiga,
dali fizeram-se os animais regidos pelo vento,
os das florestas e os das aldeias.

Deste sacrifício de oferenda total,
nasceram estrofes e melodias,
também nasceram os ritmos
e as palavras rituais (…).

Quando imolaram o Homem,
em quantas partes o dividiram?
Que foi de sua boca, dos seus braços,
que foi das suas coxas, como se chamaram seus pés?

O sacerdote foi sua boca,
seus braços converteram-se no guerreiro,
suas coxas foram os lavradores,
de seus pés nasceram os serventes.

A lua nasceu do seu pensamento
de seus olhos o sol,
da sua boca Indra e Agni,
do seu hálito Váyu (…).

Ao Sacrifício sacrificaram os deuses o sacrifício,
tais foram as primeiras leis.
A força de tal fato alcançou os céus,
onde estão os seres antigos.

Rig Veda
, X:90

Esse hino apresenta o mito genésico do Purusha. A idéia do Purusha será posteriormente recolhida pela filosofia Sámkhya. Purusha, no contexto do Sámkhya, significa o ser puro, o Princípio de vida, imutável e eterno. A descrição insiste no ilimitado do seu ser em relação à terra.

Para transmitir a circunstância do sacrifício, o autor usa uma linguagem carregada de símbolos que recolhe os elementos do ritual vêdico: manteiga (ghee), fogo, oferenda. Estes elementos, alegoricamente, personificam-se nas estações do ano.

Posteriormente, enumeram-se as coisas que nasceram dele: os alimentos, os animais selvagens (‘os das florestas’) e os domésticos (‘os das aldeias’), as estrofes, melodias e ritmos, e também as fórmulas para o sacrifício.

Até este ponto do poema não percebemos o sacrifício em si. Para transmitir a vivência crua do esquartejamento, o poeta se faz uma sucessão de perguntas: em quantas partes o dividiram, e qual foi o destino de cada uma? As respostas remetem à gênese do Universo: a terra, o sol, a lua, o céu, o fogo, a organização da sociedade e as primeiras leis.

Neste sacrifício original sustenta-se a tradição vêdica, na qual se expressam as correlações e o jogo de equilíbrio das forças da Natureza. O corpo humano é uma imagem do Cosmos. Seu sacrifício origina o mundo e portanto, para manter essa ordem universal (rta), o homem deve emular o sacrifício primordial através da ascese, a oferenda de mantras ou do fogo, a retenção do alento, a sublimação da energia sexual.


Comentário de Pedro Kupfer.

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